quarta-feira, 5 de agosto de 2015

mitos e realidades paralelas

você vem cheia de mitos 
atirando roupas, cabelos, perfumes 
gargalhando ironicamente 
perdidamente 
me deixando sem saída 
nessa rua escura 
um gole de cerveja 
outro de olhares maliciosos 
todos em você 
no seu jeito imprevisível 
e 
de certa forma 
gritante 
como a chuva 
que vai cair 
em alguns momentos 
em ti

Ricardo Lubisco

terça-feira, 31 de julho de 2012


O curso do nada

      Vazio. Estou a um passo de um novo e obscuro vazio. Não vejo outra alternativa. Não vislumbro outra chance de mudar aquilo que se encontra no mais rudimentar pensamento. Caminho em direção ao nada, rumo à dobra do vento, onde o sentido da vida fenece diante do mais inebriante vazio. Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte disso, tenho em mim todos os conflitos do mundo. Mas quais são eles? Se eu ainda soubesse. Se soubesse onde fica minha casa, onde fica a morada da minha alma escusa, onde encontro o pouso da minha consciência vã. Não, não sei, não encontro. Carrego a minha pedra até cume da montanha, mas ela corre de volta até o pé. Pé da esperança, cume da ilusão. Um mundo desconhecido se apresenta vagarosamente. Continuo à espera de alguém que me diga o que fazer; que aponte a direção que devo tomar. 
        O trânsito fomenta a tensão dos meus nervos. Todas as vias estão lotadas de almas decididas a seguir o mesmo caminho. É noite, e as ruas ainda estão cheias. Vermelho. O menino faz malabarismos e pede uns trocados. Dou-lhe as últimas moedas do bolso. Verde. Piso forte, sem firmeza. O mundo parece se rasgar diante de mim. A vida parece se rasgar; em fragmentos. Um carro me ultrapassa. Depois, outro. Aumento a velocidade, não gosto de ser passado para trás. Reduzo, deixo eles irem. Preciso de calma. A loja deve estar cheia e eu precisarei de paciência para garantir o êxito. Na verdade, estou nervoso. Vermelho. Paro no cruzamento. Penso forte em pegar o caminho de volta à minha casa. Os desejos se bifurcam. Mas não há desejo algum. São dúvidas em potencial que se cruzam. Verde. Sigo o meu vago propósito. Abro o porta-luvas e aliso o curto cano prateado. Amarelo. Diminuo a velocidade, hesito. Uma vertigem perpassa minha visão. Aumento a velocidade, piso firme; resoluto. Transponho o último sinal. As mãos suam minha infante obstinação. O riso se desprende da rigidez dos dentes. Preciso de um cigarro.
        Estaciono e desligo o carro. Ainda é muito cedo, necessito aguardar. Observo friamente o movimento. Abro o vidro e acendo um cigarro. A fumaça caminha densa sob o teto do carro e foge ligeira pela janela. Espero. Quase relaxo.
       Miro o sujeito que sai da loja de conveniência. Detenho meus passos ao sair do carro. O sujeito me vê. Ele está visivelmente atormentado. Percebo a confusão nos seus olhos. Olham para o nada. Estão vazios. Observo a criatura vacilante que parece ter encontrado a direção a ser tomada. Vem na minha direção. O homem franzino cambaleia desesperado na minha direção. Tem agora olhos de tubarão. Não me movo, continuo a fitá-lo imóvel, pálido. O garoto transpira seu desespero juvenil; eu, a minha injustificada inocência. Ele me mira com a mão direita. Descontroladamente o suor escorre. O meu e o dele. No vácuo instante, ouço o estouro e vejo a luz fugaz; queima na minha carne. Caio como uma fruta madura. O garoto chegou antes. Ele vai em direção ao carro. O ronco do motor roça brutalmente os meus sentidos até transformar-se num horizonte inaudível.  Esboço um suspiro de contentamento enquanto a dor dilacera as incertezas. Isso é tudo, descubro: nada.
   
C.P.
Alguns Hai Kai's

Dois olhos brilhantes
miram-me intermitentes
Tô na contramão

À sombra dos cabelos
pensamento outonal
Colho as ideias que caem

Que coisa mais enjoada
essa de procurar rima
pra tudo na vida


quinta-feira, 28 de abril de 2011

Salmo


O certo é que prezamos a destruição.
Qualquer coisa chegando ao fim, eis o que nos interessa.
Fotografamos ruínas e colecionamos imagens de casas enfermas, desenganadas pelo tempo,
e apreciamos o turismo por vilarejos decadentes,
prestes a sumir do mapa.
A imagem do velho edifício implodido nos mantêm cativos
diante da tv.
O que move a ferrugem não é mistério para nós:
conhecemos essa fome - e a respeitamos.
A árvore doente do passeio público nos interessa
mais do que as crianças desaparecidas.
Comovidos, chegamos a abraçar a velha figueira ameaçada,
pretextando solidariedade.
Mas não somos solidários, não se engane.
Apenas queremos estar por perto na hora final.
O certo é que apreciamos a destruição.
Casais nos falam de crises, da reta final, da beira do precipício.
Ouvimos interessados os pormenores da autópsia conjugal,
queremos saber em que momento,
as vísceras do encanto deixaram de cumprir seu papel,
queremos conhecer tudo que fez do desejo
azinhavre, mancha agônica, bolor.
Existe desamparo maior do que
num velho carro entregue ao pó junto ao meio-fio?
O disco riscado e o livro que perdeu folhas e palavras
são nossos entes queridos.
O amigo que faz aniversário recebe nossos cumprimentos,
pois deu um passo à frente, rumo ao fim.
Vamos a velórios de parentes e conhecidos
com um olho vermelho de consolo, o outro verde de curiosidade:
quem visitaremos inerte da próxima vez?
Amamos o corroído (pontes, trens, viadutos),
o que está prestes a se perder.
Respeitamos os desgastado, o roto,
o que se esfarelou, majestoso.
E esperamos.
Porque algo foi posto em marcha,
está a caminho.

Marçal Aquino

sábado, 22 de janeiro de 2011

2011


Já faz um bom tempo que não escrevemos mais nada aqui. O último post foi no ano passado, em outubro. Muitas coisas aconteceram, principalmente coisas ruins. Mas é claro que não restrinjo somente a coisas que aconteceram comigo. Houve trocas de governos. Aumento de 70% para deputados (federais e estaduais), senadores e vereadores, votado por eles mesmos; houve ex-governadores reclamando suas pensões vitalícias, pois haviam ficado a frente de seus respectivos estados durante 8 dias; até um senador gaúcho, que em anos anteriores fora governador do estado, pediu sua pensãozinha retroativa, e justificou alegando não estar conseguindo manter sua residência e sua família com seu salário atual.
Acho que 70% foi pouco.
Ainda nesse meio tempo, houve cheias e secas, e muitas mortes por conta delas.

Mas nem todas as notícias são ruins. O Big Brother voltou, e voltou de cara nova. Agora é possível sair no soco sem ter como prejuízo a saída imediata da casa. Maravilha! Iniciativa de fomentar o "barraco" na tv. Mas não vou me ater a detalhes, afinal, muitos desses acontecimentos não têm tanta importância assim. São coisas que irão se diluir entre as formosas curvas de mulatas e melodiosos sambas-enredo neste próximo carnaval.


Audiência

Sob histórica enxurrada de informações

Vemos a morte desmoronar

sobre os telhados da razão

Inundar as arestas dos corações espalhados

sobre um corpo instável e esfarelento


Tudo esfarela-se umidamente


Discutem sobre imprudência e fatalidade


Alguns celebram a vida face à morte

furtam pequenos “futuros da nação”

desse violento Rio de sangue recém formado

Que desce

e desce

Onde cardumes de pessoas bóiam e afundam

num [Rio de sangue em

Janeiro]


(...)


Outros boiam e afundam

em telefonemas e torpedos

Em frente à televisão

Nosso Grande Irmão está de aniversário

Décimo primeiro aniversário


Um carismático intelectualóide com seu filtro solar

dispara frases “rarefeitas”

Que tocam os corações dos irmãozinhos

Confinados sob um olhar “Orwelliano”


Discutem sobre líder e eliminação

à luz da afinidade


Sob histórica enxurrada de informações

A audiência se divide

[Comovida]

Entre irmãozinhos confinados

E corpos úmidos desabrigados


Christian Pizzolatto








terça-feira, 19 de outubro de 2010

Batom vermelho

Na xícara de café suja
A marca do amor comprado
nas seções de jornais

O batom vermelho tinge
o ímpeto animal,
sacia
Tece as horas
Nos corpos dominicais


Christian Pizzolatto

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

CROAC

No meu sonho estranho, eu me sinto bem. Não há mais vergonha, eu não sou mais tímido. Consigo pronunciar o que penso facilmente. Eu ando com uma postura digna. Sem medos. Sem receios. É noite. O clima é agradável. Eu estou de bom humor. As pessoas ao meu redor aparentam aproveitar a noite, assim como eu. As calçadas são largas, assim como o asfalto e as lojas. Anda-se pela rua com tranqüilidade. Não há pressa. Encosto em um muro, algumas pessoas andam de skate. A luz amarela-alaranjada é acesa, pois começa a escurecer. Garotas passam por mim. Não olham. Seguem para aonde for, menos aqui. Um cheiro agradável viaja pelo ar, até se fazer notar pelo meu nariz. Resolvo caminhar mais um pouco. Acabo entrando em um parque. As luzes lentamente vão ficando para trás, enquanto meus passos fazem cada vez mais barulho. Sinto a umidade da grama em meus pés. Começa a ventar forte. Seres passam ligeiramente dentre as árvores. O escuro é total. Eu avisto um rio. Toco-o com minhas mãos. A civilização parece não mais existir. O céu é muito azul. Avisto luzes coloridas piscando em algum ponto distante dali. Piso em madeira envelhecida. Ela quebra e faz barulho. Eu me sinto só. Parece que sou observado. Encontro uma barraca abandonada, com luzinhas penduradas em um fio. Dentro da barraca há um cobertor e uma lanterna junto de um livro antigo. Eu me deito e adormeço.

Acordo com as roupas bagunçadas. Sinto um perfume conhecido. Inalo o máximo que consigo. Ela esteve aqui. Passou a noite comigo. Eu sei. Tento abrir o zíper da barraca. Não consigo. O perfume me enlouquece. Eu continuo tentando inalar o máximo que posso. Sinto o espaço na barraca diminuir. Ouço vozes do lado de fora. O perfume ri de mim. Eu já não tenho mais espaço. A lona da barraca me espreme. Mal consigo respirar. A risada fica mais forte. Ensurdecedora. E continua a gargalhar enquanto a barraca me engole. Eu mergulho profundamente nas minhas lembranças e não encontro ninguém. Não acordo mais do meu sonho.


O silêncio impera no ambiente, a não ser pelo barulho de um sapo e da barraca fazendo a digestão.